23 de janeiro de 2017

O direito à cidade: Uma reflexão.



Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Parque da Cidade

Um olhar sobre a cidade

Uns ventos do além-mar
Sopram vozes do poeta lusitano
“Navegar é preciso, viver não é preciso”.
E o rio de minha aldeia
Corre ao mar
Levando vidas e sonhos
Das comunidades ribeirinhas
Barquinhos a navegar
Passo da Pátria, Cais da Tavares de Lyra
Portos de uma cidade
A olhar o Alto da Torre
Testemunha ocular de uma expansão urbana
E seus conflitos
Em uma urbe viva
Onde não existe neutralidade
Entre o mar, dunas e o rio
Planos tradutores da cidade que temos
E da cidade que queremos
Desejos.
(Luciano Capistrano)

            A cidade de Natal em 1911 tinha aproximadamente 28.000 habitantes, provinciana ainda existia o habito dos “cantões”, conversa de fim de tarde, boquinha da noite, neste ano os natalenses conheceram o bonde movido à energia elétrica, e, as intervenções urbanas de “aformoseamentos”, ações com a finalidade de inserir a urbe nos novos tempos, tempos de “civiliza-se”. Uma ação modernizadora, nascida, se assim podemos dizer, com o Plano Polidrelli. Vejamos o que diz o professor Pedro de Lima:
O Plano Polidrelli poderia ser interpretado, portanto, como uma resposta da elite natalense, em termos urbanísticos, para as transformações sócio-políticas que ocorreram no país na virada do século[XX] (Abolição da Escravatura – 1888, Proclamação da República – 1889). Assim, a Cidade Nova, ainda quando não tenha sido concebida, explicitamente, enquanto espaços e cenários que expressassem a modernidade anunciada pelas novas relações sociais (do trabalho livre assalariado) e políticas (de um moderno Estado republicano liberal), pode ser identificada como o espaço do novo poder republicano. (LIMA, Pedro de. Natal século XX: do urbanismo ao planejamento urbano. EDUFRN, 2001, p. 36)

 Uma capital, banhada pelo Atlântico, Potengi, e, as dunas a compor um cenário de beleza, capaz de fazer Henrique Castriciano a defender a proibição de construção as margens esquerdas, de quem segue da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, da Cidade Alta para a Ribeira, dizia o criador da Escola Domestica, é preciso preservar a beleza do rio Potengi para os transeuntes. Lembra Castriciano:
[...] quando para aqui veio o presidente Pereira de Carvalho, em 1853, ainda encontrou, despovoada, entre a alfandega e o morro do Rosário, uma área de nove mil braças quadradas, dividida por extenso aterro que facilitava a ida e vinda dos moradores dos dois bairros. [...] teve a intuição do préstimo vindouro d’esta parte do solo natalense e pensou na construção de um Passeio onde, segundo escreveu em longa mensagem, “a par da distração que encontrariam os habitantes nesse ponto de reunião, poderiam gozar da encantadora vista de um belo rio, da suave brisa, à sombra de frondosas árvores e da vantagem de possuir um ótimo caes de desembarque que nada teria a invejar ás outras províncias...”(Henrique Castriciano: Seleta, textos e poesias. Organização: José Geraldo de Albuquerque, 1993, p. 224)

            O presidente Pereira de Carvalho, conseguiu a aprovação na Câmara Municipal, de uma Lei proibindo a construção de edificações neste trecho, correspondente entre a hoje Capitania das Artes e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, infelizmente, essa área “Non Aedificandi”, prevaleceu, apenas, até 19 de dezembro de 1859.
 Por sua vez, o mestre Câmara Cascudo, anos depois, escreveria uma crônica intitulada, “Olhos da Cidade”, onde alertava o Poder Municipal, da importância de ser garantido o direito das camadas mais humildes em vê as belezas naturais da cidade, assim, não deveria ser permitido construções que “escondessem” a paisagem natural. Dizia o mestre Cascudo em 1947:
A valorização dos terrenos ergue a vaidade humana pelas orelhas e a leva até perto das estrelas. Pelo gosto natural da burguesia não havia jardim público nem parque, nem alameda, nem miradouro. Tudo era terreno-para-construir. Interessa apenas o individual, o dependente da vontade personalíssima. Quem irá lembrar-se do direito de alguém ter diante dos olhos uma paisagem ridente ou um muro banal? [...]. Essa possibilidade está se firmando como um direito natural, uma das prerrogativas de qualquer criatura humana. [...]. Possa esse direito afirmar-se ao lado do patrimônio natural da cultura, como um fato visível e próprio da cidade moderna. (OLHOS da cidade, Luís da Câmara Cascudo, Diário de Natal, 05 de janeiro de 1947)

            Bom amigo velho, trago essa questão da democratização do “olhar” a cidade ou da garantia a olhar as belas paisagens naturais, preconizadas por Henrique Castriciano e Câmara Cascudo, para fazer uma reflexão sobre a cidade e o direito a preservação dos recursos naturais. Nossos mananciais rio Potengi, Riacho do Baldo, rio das Quintas, rio Doce, as lagoas, e, as ZPAs (Zonas de Proteção Ambiental). O rio Potengi, por exemplo, por ser uma referência na formação histórica da cidade de Natal, reveste-se de importante elemento, não apenas natural, mas de memória da urbe. Uma cidade “ingrata”, pois na sua expansão esqueceu do rio e “cresceu” de costas para seu leito.
            Me permita, amigo velho, a fazer uma citação do professor Raimundo Arrais, voltando no tempo e descrevendo o isolamento da capital decorrente de sua topografia no início do século XX:
O isolamento da capital era reconhecido pelo governador Alberto Maranhão, que se referia, em 1904, à necessidade de construir acesso aos mercados de Ceará-Mirim, Macaíba, Mossoró e Açu para retirar a capital do estado definhamento [...] O efeito administrativo dessa situação era evidente [...] O isolamento não apenas afetava o estado, privando-o de rendas, diminuindo as condições para que a capital estendesse a legitimidade do poder sobre a extensão do território do Rio Grande do Norte. (ARRAIS, Raimundo. Da natureza à técnica in FERREIRA, Angela Lúcia; DANTAS, George (organizadores). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna. EDUFRN, 2006, p. 121)

            A cidade nasceu com um grande desafio que era a sua própria topografia, cercada por dunas, tendo a companhia do mar e do rio, a comunicação com o interior da província teria de ser vencida. Neste processo de feitura do território a urbe, foi se desenhando em um processo de ocupação, em alguns momentos ordenados em outros conflituosos.
            Amigo velho, a ocupação urbana de Natal se insere na constante dicotomia ente o crescimento com qualidade de vida, respeitando o direito à cidade, e, os interesses do mercado de terras, este principalmente a partir da década de 1940, com o advento da Segunda Guerra Mundial. O “mercado de terras” avança;
[...] a partir da década de 1940 até o final dos anos 60, a cidade muda completamente sua configuração socioespacial, o que acontece principalmente em face das transformações ocorridas (no início dos anos 19400, com a instalação de bases militares (aérea e naval) em Parnamirim e em Natal devido à Segunda Guerra Mundial, e o consequente surto de crescimento e modernização verificado a partir de então, com o incremento de obras infra-estruturais. (DUARTE, Marise Costa de Souza. Espaços especiais urbanos: desafios à efetivação dos direitos ao meio ambiente e à moradia. Observatório das Metrópoles, 211, p.46)

            Este curto artigo, “O direito à cidade: uma reflexão”, tem um caráter de provocação, esse é meu objetivo, amigo velho. Façamos os caminhos trilhados por Pedro de Lima, Henrique Castriciano, Câmara Cascudo, Raimundo Arrais, Marise Costa, e, os muitos outros “interpretes” da construção da cidade de Natal, deste dialogo fraterno contribuiremos nos fóruns formuladores das políticas públicas para a cidade. Nestes tempos de discursões sobre a regulamentação das Zonas de Proteção Ambiental, faz necessário este dialogo.
           
           

           

            

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