5 de fevereiro de 2017

Uns clicks, uma cidade a descortinar




 Marcha dos Trabalhadores, 10 de novembro de 1938 - Avenida Deodoro -
 Hospital Infantil Varela Santiago




                                          Praça Sete de Setembro

                                          
                                           Rua João Pessoa com avenida Rio Branco


Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Parque da Cidade

Em minhas andanças nas salas do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, IHGRN, em meados de 2008/2009, historiador da SEMURB, me deparei com uma série de fotografias de cenas da cidade de Natal. Eram imagens da Avenida Rio Branco com a Rua João Pessoa, imagens da Avenida Deodoro, e, outras da Ribeira, nas imediações da Praça Augusto Severo até a subida da Avenida Junqueira Ayres, hoje, Avenida Câmara Cascudo. Fotos datadas de 10 de outubro de 1938.
O que chamou a atenção, minha e dos estagiários que me acompanhavam nesta pesquisa no IHGRN, foram as faixas de apoio e celebração por um ano de instalação do Estado Novo. Vários sindicatos de trabalhadores, de todo o Rio Grande do Norte, participaram deste desfile pelas principais ruas da capital, numa clara demonstração de adesão ao projeto político do Presidente Getúlio Vargas.
A cidade palco da primeira insurreição comunista da américa -  em novembro de 1935 ocorreu em Natal a Revolta Comunista -, vivia em outros tempos, sindicatos e o governo intervencionista demonstrava nas ruas o apoio ao ditador do Estado Novo, Getúlio Vargas, reflexo do cenário nacional, como sinalizou Oscar Pilagallo:
Os sindicatos, previsivelmente, também estavam com Getúlio. O presidente golpista ainda não fixara a imagem de “Pai dos Pobres”, mas desde o início da década era popular entre as camadas de menor renda. A Revolução de 30 pusera na agenda a questão trabalhista, criando um ministério para tratar do assunto. Os sindicatos foram colocados sob a tutela de Getúlio. De um lado, os trabalhadores obtinham vantagens corporativas determinadas pela legislação; de outro, submetiam-se ao controle ideológico. (PIGALLO, p. 83)

As fotos não deixam dúvidas quanto a influência getulista no movimento sindical norte-rio-grandense, o que corrobora com a afirmação do jornalista Pigallo, sobre as relações do governo com os movimentos sociais. Além do mais, existia toda uma máquina governamental movendo suas “garras” sobre os trabalhadores. Assim se expressa, o historiador Sérgio Trindade, sobre a relação do governo com os movimentos sociais:
Satisfazendo as reivindicações dos trabalhadores urbanos por meio de uma legislação trabalhista muito ampla, o presidente aproximava-se das camadas populares. Foram concedidos benefícios aos trabalhadores como forma de eliminar possíveis reivindicações, afastando assim a possibilidade de uma participação mais ativa dos trabalhadores na política. Também foi estabelecido um rígido controle sobre os sindicatos, submetidos ao Ministério do Trabalho e aos pelegos. (TRINDADE, p.292)

Faço essas considerações iniciais para convidar a reflexão sobre o uso da fotografia como fonte histórica importante, a muito já não se discute a foto como documento histórico, neste sentido, apenas me alinho aos historiadores que utilizam a fotografia, não apenas como “ilustração” da pesquisa, ou do texto final, a fotografia, a imagem, tem um papel fundamental enquanto documento histórico, assim, não se trata de ilustrações, mas, sim de fonte documental. Compreendo:
A imagem retida pela fotografia (quando preservada ou reproduzida) fornece o testemunho visual e material dos fatos aos espectadores ausentes da cena. A imagem fotográfica é o que resta do acontecido, fragmento congelado de uma realidade passada, informação maior de vida e morte, além de ser produto final que caracteriza a intromissão de um ser fotografo num instante dos tempos. (KOSSOY, p.22)

            A Praça Augusto Severo, toda arborizada, com arvores de grande porte, ao longe o Grande Hotel, são vestígios eternizados nos clicks, de um 10 de novembro de 1938, fotos realizadas para apresentar a participação popular, através dos sindicatos, nos festejos comemorativos de um ano de instauração do Estado Novo, hoje essas imagens captadas naquele distante 10 de novembro, nos diz muito da cidade.
            Ao acompanhar o desfile dos trabalhadores, fazemos uma viagem por ruas, prédios, vestuários, enfim, encontramos uma gama de informações a nos ajudar a compreender as transformações urbanas ocorridas na cidade de Natal. Os trilhos, caminhos do bonde, as linhas arquitetônicas, tudo caracterizando a Natal da década de 1930, uma cidade ainda não impactada com os efeitos da Segunda Guerra Mundial.
            A cidade de Natal, vista através da lente de um fotografo anônimo (não consegui identificar o autor das imagens), surgi em movimento, pessoas, faixas, ações cotidianas, tradutora do fazer de sua gente, no hotel Avenida, nos trilhos do bonde cortando a Rio Branco e a João Pessoa, a Praça Augusto Severo, e, suas arvores a simbolizarem uma cidade em um determinado tempo. Muito mais do que a manifestação celebrando um ano de Estado Novo, a série de fotografias, encontrada nos arquivos do IHGRN,  abrem horizontes sobre a cena urbana da capital Potiguar.
            Amigo velho, este, “Uns clicks, uma cidade a descortinar”, é um artigo em construção, o objetivo é fazer um diálogo entre a fotografia e a história, acreditando contribuir para a construção de uma melhor compreensão da fotografia como fonte documental. Façamos o diálogo.

REFERENCIA

PIGALLO, Oscar. A história do Brasil no século 20 (1920-1940). São Paulo: Publifolha, 2009.
KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ática, 1989.

TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. História do Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2015.

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