Deífilo Gurgel - foto divulgação
Conheci o mestre
Deífilo Gurgel na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fui seu aluno na
disciplina de Folclore Brasileiro. Depois nos reencontramos na Fundação José
Augusto, à época ele exercendo o cargo de Diretor de Promoções Culturais. Não
foi difícil para o jovem estudante do curso de História acompanhar a dinâmica
cultural do grande mestre do folclore potiguar, pois como seu aluno, demonstrei
sensibilidade pelas coisas que o povo faz, pensa, sente, realiza, nos mais
diferenciados contextos sociais. Antes, já havia conhecido o mestre Luís da
Câmara Cascudo, sem entender sua grandeza e importância, nem muito menos sua
vasta obra, um legado insuperável que o Rio Grande do Norte precisa conhecer no
mínimo as mais importantes, que vai de Vaqueiros
e Cantadores a História da
Alimentação no Brasil. Depois, conheci Veríssimo de Melo com seu Folclore Infantil, livros e separatas
que chega a mais de setenta títulos, sendo inúmeros outros ensaios e artigos
publicados em revistas nacionais e estrangeiras.
Preciso deixar
explicitado que não vou falar de Deífilo, o poeta, um dos mais importantes do
Rio Grande do Norte. Ouvi em várias oportunidades o saudoso amigo Gilberto
Avelino, outro consagrado poeta de quem tive a felicidade de gozar do clube de
seus restritos amigos a seguinte expressão: “Prof. Severino, Deífilo Gurgel é
um dos maiores sonetistas do Brasil”. Como ouvi também do próprio Deífilo, em
nossas longas conversas no alpendre do casarão do Tirol, cuja temática não
poderia ser outra senão o folclore potiguar: “Severino amigo, comecei minha
vida intelectual escrevendo poemas e sonetos, mas, hoje, me considero muito
mais folclorista do que poeta, o
folclore é minha vida, minha paixão, meu encanto. Por isto lhe peço nunca se
afaste do folclore, tenho lido seus artigos no Jornal de Hoje, com algumas
exceções, estão muito teóricos, baixe a bola, sente os pés no Rio Grande do
Norte, que eu já estou muito mais pra lá do que pra cá”. Era o corretivo do
velho e grande amigo que dedicou boa parte de sua vida pesquisando, divulgando,
escrevendo, defendendo a rica e bela Cultura Popular do Rio Grande do Norte,
encanto de Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade.
Lembro-me, oxalá se
me lembro, de nossas viagens, foram muitas. Prancheta, máquina fotográfica, o
motorista Paulo Andreola e o fotógrafo Ubaldo, eram viagens de alegria,
encantos e descontração. Nos anos 80, não existia telefone celular, qualquer
comunicação tinha que ser nos postos da velha Telern, ao chegar à primeira
cidade, antes de qualquer contato ia direto para o posto da Telern telefonar
para D. Zoraide o grande amor de sua vida: “Zozó, cheguei” e citava no nome da
cidade que estava. Ao terminar se dirigia pra e mim e dizia: “não vai telefonar
pra sua mulher não?” – E eu: não. “Você é um irresponsável, viaja e não tem a
delicadeza de dizer a mulher onde está, que horas chega. Coitada dela, também,
já deve está acostumada com o tipo que tem”. São muitos os fatos pitorescos de
nossas viagens em pesquisas pelas estradas, caminhos e veredas potiguares,
impossível citar todas neste reduzido espaço. Vou contar mais duas: a idade
avançando e com problemas de saúde e seguindo recomendações médicas, passei a
viajar sem ele, sentia sua falta, no entanto, quando sabia de alguma viajem
minha sem convida-lo, o telefone tocava, Zeneide atendia e dizia: é Deífilo. –
Pelo amor de Deus, agora vou escutar tudo, tentava convence-lo da
responsabilidade de que pesava sobre meus ombros, pois poderiam entender que
era insistência minha. Não o convenci e fui conversar com D. Zoraide, ela me
explicou que ele tomava muitos remédios, tinha horário de alimentação e tudo
mais. E agora D. Zoraide que fazer? Estou com viagem marcada para o litoral
sul, ela respondeu: está certo ele vai, mas você vai ter todo cuidado com ele,
na subida do carro, na descida, onde tiver batente e tudo mais, um rosário de
recomendações a mim e ao motorista. Vejam o que aconteceu. Ao chegarmos à Canguaretama fomos direto para o mercado público conversar
com mestre Zé Dinar, do fandango. Caia uma chuvinha fina, cuidados redobrados,
o motorista disse pode deixar tomo conta dele, quando segurava no braço ele,
não aceitava e dizia: “João, amigo, estou muito bem, não vá pela conversa de
Zoraide e Severino não, olhe aqui” – e começava a fazer exercício com as pernas
e os braços. Nesses cuidados todos com ele, eu que ia caindo na calçada do
mercado, o motorista me segurou, ele também pegou no meu braço e disse, quando
chegar em casa vou dizer: “taí Zoraide o homem que você recomendou pra cuidar
de mim, se não fosse eu e João tinha se
lascado de uma queda na calçada do mercado de Canguaretama”. Ao chegar em casa
já foi logo contando, apontando para mim e rindo como uma criança: “taí Zoraide
o homem que ia cuidar de D.G.” – e repetiu o acontecido.
No I Seminário de
Literatura do Povo, na UFRN, organizado por seu irmão Tarcísio Gurgel, começou
a falar de suas pesquisas, apresentando uma das suas maiores descobertas, a
romanceira Militana Salustino do Nascimento, da cidade de São Gonçalo do
Amarante saiu-se com esta: “o povo diz que todo folclorista tem que fumar e
beber cachaça, eu nunca tomei um gole de cachaça e estou ai andando pelo mundo
fazendo minhas pesquisas”. Lá da plateia eu gritei. – E tempo, com oito filhos
para cuidar. Ele olhou, olhou. - E eu morrendo rir. Ele então disse: “só podia
ser você cabra sem vergonha” – e rindo também continuo a palestra.
Severino Vicente
Presidente da Comissão
Nacional de Folclore
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