26 de junho de 2017

NOITE DE SÃO JOÃO


Bené Chaves

                         Era noite de São João em Gupiara. Foguetões, traques, fogueiras incendiando, arraiás festivos. Houve até uma ‘quadrilha’ no pequeno salão meio improvisado nas imediações. Os festejos iniciaram. Tudo ao redor virou imensa festa.
                        Chamaram um tal de Zé Molenga que, apesar do nome, cantou e rodou feito um pião. Avaliem se ele não tivesse tal apelido... Teve casamento e tudo, o forró solto na saleta e na alegria dos participantes. Esse violonista lembrou Painhô, pois manejava as duas mãos com facilidade. Era também ambidestro, igualzinho a ele.
                        Mainhô, filho, não quis afoitar-se, ficou em casa mesmo com Tia Chica, aquela sua pança crescendo sempre e quase pertinho de parir. Seria uma temeridade, inclusive pra você, lógico, se ela fosse dançar a noite toda.
                        Evidente que São João não era uma festa alinhada, o povo dançava forró mesmo na rua, com hiato e tudo. E meu pai cansava de ver a animação pra riba. A fogueira queimando os pés e as labaredas esquentando o vento.
                           Ele disse? Disse sim senhor! Você será meu compadre? Oba!... oba! Quem mandou?
                          Painhô conseguiu uma parceira e foi o noivo daquela  festança que iniciara. Dançou a noite toda, acho, pois não me contou tudo direitinho. Claro que não iria contar. Apenas me disse que o chato do irmão da noiva ficou de olho nos dois.
                     Alguém, então, gritou do salão: homem de um lado, mulher do outro, juntar, cruzar, trocar, juntar de novo. Epa! A animação fez esquecer tudo, os instrumentos soltos no ar. Viva o noivo, viva a noiva! E os corpos das pessoas iam animando hora a hora, minuto a minuto.
                Então foguetões clarearam o céu, as crianças brincando com ‘peido-de-velha’, ‘cobrinhas’, ‘rojões’, ‘estrelinhas’e etc. A inocência nas suas caras. Rostos de brinquedos.

               Sei não, mas tenho ligeira impressão que deva existir alguma convivência, continuou meu pai. Hipotética versus real. E quando saí vi cinzas espalhadas na fogueira, últimas lembranças da noite de São João. São duas festas com resquícios iguais no nome. Fim de ano x meio de ano. Gupiara pensara assim.
              Ah, a madrugadinha apareceu e o santo confirmou: ligeireza dos homens se metendo nos matos com suas companheiras. Parece que não suportavam a ‘quentura’ do ambiente. Mas, aquilo tudo era uma estratégia. Uma bela estratégia!
              Ali na estrada, meu filho, falou ele, vi labaredas fervendo o tempo. Gupiara me pareceu bonita. Nos morros uma cor avermelhada subiu e fumaças juntavam-se às nuvens. Supunha-se um lusco-fusco fora de hora.
              No salão o baile acabara. E meu pai contou ainda que moças e rapazes juntaram seus rostos e talvez também seus corpos. Na simetria própria entre os dois sexos. A festa depois  caducou, vislumbrei somente fiapos afligindo o santo de temperatura elevada.
            Painhô, então, disse: no sertão, onde nasci e aqui em Gupiara, o povo acredita nos sentimentos humanos. Ou acreditava.



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