26 de março de 2018

A CHEGADA DO RIO



 Salete Pimenta Tavares

            E o rio chegou! Dizendo assim, parece que o rio não existia naquele lugar, ou mesmo, não se encontrava ali, naquele momento; e então torna-se difícil entender a expressão: “ a chegada do rio”.
O certo é que, há a realidade das chegadas dos rios no sertão nordestino; e esta foi uma visão belíssima e impressionante, causada pelas chuvas de início de inverno, que eu tive a felicidade de presenciar.
Morando numa cidade do interior nordestino – Caraúbas -, eu estava acostumada a ver na época de inverno, chuvas fortes com relâmpagos (vindos de todos os lados) e trovões, cujos ruídos estalantes e depois estrondosos espalhavam medo e preocupação a toda população caraubense.  Vez ou outra caiam raios pela cidade, ignorando os famosos “apara-raios”, instalados e distribuídos em vários locais da cidade. Certa vez, um desses raios atingiu uma casa na cidade, atravessando a parede e derrubando, com o impacto, o cidadão morador daquela residência. Felizmente  ficou apenas o susto.Vários outros casos semelhantes aconteceram, sem maiores conseqüências.
                Mas, vamos à chegada do rio.
Tudo aconteceu numa época em que fui morar na fazenda de um tio, chamada “Quixaba”. “Quixaba” já foi o título de um artigo que escrevi, nesse jornal, publicado no mês de março de 2006.
Tinha começado o inverno; por sinal um bom inverno naquele ano. Mas os rios e os açudes ainda continuavam secos, ou quase secos, como sempre acontece no período de estiada no sertão. As árvores permaneciam com o seu tom verde, mas de um verde amarelado, embora tivéssemos a esperança de que logo, logo, voltaria a sua cor definitiva. O pasto para alimentação dos animais já não existia e os mesmos tinham que ser alimentados com ração comprada, o que prejudicava  bastante a situação financeira dos fazendeiros. A água, também escassa, não era suficiente para atender o bebedouro dos animais, sendo necessário preparar cacimbas (escavação feita em leitos secos de rio que se acumula alguma água), ou mesmo furar poços para atender a necessidade de gente e animais.
                E o rio chegou!
A tarde estava bonita, “bonita para chover”, expressão usada no interior, quando se aproxima a chuva. As nuvens já escurecidas ao nascente mostravam o tempo chuvoso que ia desabar. Mas a chuva não caia na fazenda. O fazendeiro e aquele povo humilde que compunha seus moradores, conhecedores das coisas do sertão, falavam: “a chuva é p’ras bandas das cabeceiras do rio e o mesmo irá encher de qualquer jeito e levará água para o açude”.  E o alvoroço! Todos queriam ver de perto aquele fenômeno, principalmente aqueles que, como eu, ainda não tinham presenciado a tal chegada do rio. E lá fomos nós para as margens do rio próximo à fazenda.
E eu pensava: como este rio vai encher se a chuva não tinha caído? Como pode ser isso possível?
De repente aquele barulho enorme; chiados, estrondos, estalos de galhos secos e a correria. Era ele sim; era o rio que vinha chegando trazendo consigo tudo o que encontrava no caminho: galhos, areias, pedras, cobras, matos, etc.; ele se aproximava e ia preenchendo  toda aquela extensão, parecendo uma cobra gigantesca, se arrastando de um lado para outro, como se estivesse à procura de um lugar apropriado para se esconder e fazer a sua morada.
Todos , ali presentes, iam acompanhando, em suas margens, o circuito do rio. Eu também, mas um pouco distante, pois tinha receio que, de repente, ele se estendesse pelas laterais e me carregasse junto com ele. A alegria era enorme e contagiava a todos. O rio corria em direção ao açude da fazenda e este, com certeza, estaria de braços abertos para recebê-lo.
Foi um quadro lindo, fantástico e emocionante. Senti a presença de Deus naquele momento; era uma das suas obras grandiosas acontecendo. Agradeci a Ele a felicidade de poder presenciar tão belo e perfeito  espetáculo da natureza.

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