11 de abril de 2018

De cinemas e memórias: Divagações

 
                                                             
                 Cine Rio Grande - foto divulgação

Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade

Quando criança, além das brincadeiras de rua, o que me animava era a ida ao cinema, quanta alegria nos domingos, quando papai e mamãe levavam eu e meus irmãos para ver a sétima arte. O Rio Grande, o Rex, o Cine Nordeste e o Panorama, fazem parte de minha memória afetiva, tempos bons, filmes, brincadeiras, pipocas com guaraná “champanhe” e, nos dias de “esbanjamento”, tinha torrada com vitamina de abacate na Casa da Maçã, delicias.
Uma época de cidade pacifica, andávamos sem preocupação com a violência, assaltos era coisa rara de acontecer.
Nestes dias, de crises, ‘carne fraca”, “lava jato”, “golpe”, violência sem limite, dias de tantas interrogações, aproveitei para reler alguns livros, entre eles “Écran Natalense”, clássico sobre a história do cinema em Natal, obra de referência para quem deseja conhecer os caminhos da história cinematográfica potiguar. Anchieta Fernandes, pesquisador e participe da cena urbana de Natal, enveredou com outros amantes do cinema pelos caminhos dos Cine Clube Tirol, “movimento” importante na difusão entre parte da juventude dos anos de 1950/1960, da Sétima Arte, o pesquisador nos presenteia com uma excelente publicação, do Sebo Vermelho, sobre este universo da “telona” na cidade de Natal.
Publicado em 1992 “Écran Natalense” é leitura obrigatória para quem deseja conhecer o mundo do cinema em Natal. O Cine Nordeste, por exemplo, é apresentado por Anchieta Fernandes:

Quase ao final da década de 50, Natal teve inaugurado seu primeiro cinema com ar condicionado. O Cine Nordeste, da Cireda. A primeira sessão para o público foi a 20 de dezembro de 1958, exibindo o filma “O Príncipe e a Parisiense”, do diretor francês Michel Boisorond. [...] {lembranças} do tempo em que passava o Cinema de Arte no Nordeste, e todos íamos conversar nas mesas da Sorveteria Oásis, tomando algum sorvete ( a preferência era por sorvete de abacate) antes de começar a sessão. A sorveteria hoje não existe mais, e seu espaço agora é ocupado pela Farmácia Padre João Maria. (FERNANDES, Anchieta. Écran Natalense. Natal: Sebo Vermelho, 1992, p.119-123)

      Hoje, muito em decorrência da violência e da comodidade encontrada nos shoppings, não temos mais os “cinemas de rua”, as grandes salas de cinema, do bairro da Cidade Alta ao bairro do Alecrim, desapareceram. A geração atual, chega a ficar “espantada” , quado dizemos, “sim, o Alecrim tinha cinema”:

Se indagássemos aos jovens do século XXI sobre cinemas em Natal, muitos falariam das salas cinematográficas que existem nos shopping centers da capital. A maioria não se recorda das salas de cinema do Rex, Rio Grande, Nordeste, Panorama e Rio Verde, famosas nas décadas de 1970, 1980 e primórdios da década de 1990, nem daquelas localizadas na Cidade Alta, Rocas ou Petrópolis. Mas era no bairro do Alecrim onde se concentrava o maior número de salas de cinema da cidade entre as décadas de 1920 e 1950, frequentadas em sua juventude por avós, tios e pais.( ALVEAL, Carmen M. O. etal . Memória minha comunidade: Alecrim. Natal: SEMURB, 2011, p.114)

      De cinemas e memórias: divagações, como uma colcha de retalhos, feita por minha avó Paulina, vou caminhando na estrada de Clio, buscando compreender a urbe e suas resignificações ao longo do tempo. A cidade traz na sua essência a transformação da paisagem, os lugares ganham em tempos outros, funções diferentes e assim, entre o antigo e o novo, me encontro, neste tempo presente a olhar o passado.
Ao fazer este percurso sobre o “asfalto” do passado, sigo as palavras do Historiador Jacques Le Goff: “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”. (GOFF, Jacques Le. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, p.471)
Enfim a cidade cresceu - os cinemas de ruas, encontraram abrigos nos shopping centers, as conversas de calçadas, na “boca da noite”, são momentos raros, as ruas viraram espaços temerários -, as incertezas, neste caldeirão dos tempos presentes, é o que temos de mais promissor. Nos resta escrever e provocar o dialogo sobre os caminhos e descaminhos da urbe.

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