2 de maio de 2018

ENTREVISTA: PEDRO PEREIRA NO JORNAL ZONA SUL - NOVEMBRO 2011





                                                                       Pedro Pereira


Ele é poeta. É artista plástico. Foi apelidado de Peralta nos incendiários tempos em que transformava em uma usina de performances os palcos onde a banda Cabeças Errantes se apresentava. Lançou livro. Expôs arte em tela e em camiseta. Sobretudo, nosso entrevistado do mês, se expôs. Nunca se furtou de mostrar a que veio. Inovador, construiu trilhas diferentes do tradicional. Pedro Pereira da Silva nasceu em Passa e Fica, em 1963. Mas ficou por lá apenas seis anos. Natal foi a cidade onde realmente ele passou e ficou. Aqui, construiu sua história e tornou-se reconhecido como ícone de diversas artes. Entrevistar Pedro Pereira, mesmo que via Internet (por meio do Skype), foi um prazer e uma honra. Melhor ainda porque tive ao lado, caprichando nas indagações, o amigo jornalista Roberto Fontes. Diante de dois Robertos, Pedro Pereira não fugiu de nenhuma pergunta. O que ele não lembrava – algumas passagens do período no qual esteve em coma, devido a um acidente vascular cerebral – sua esposa e companheira Alda Pereira gentilmente ofereceu as respostas. O resultado você confere a seguir. As fotos foram cedidas pelo próprio entrevistado, através do seu Facebook. (robertohomem@gmail.com)

A ARTE, AS IDEIAS E AS PERALTICES DE PEDRO

ZONA SUL – Vamos beber alguma coisa enquanto conversamos, Pedro? Eu e o Roberto Fontes estamos abrindo uma garrafa de vinho...
PEDRO – Ô coisa boa! Só que eu não bebo mais. Desde o AVC (acidente vascular cerebral) eu não bebo mais, não. Só tomo água e suco.
ZONA SUL – Um suquinho de caju também é uma delícia!
PEDRO – Eu gosto de qualquer tipo de suco: de caju, manga, mangaba, graviola...
ZONA SUL – Bebidas à parte, vamos, então, à entrevista? Você morou muito tempo em Passa e Fica?
PEDRO – Somente seis anos.
ZONA SUL – O que você recorda desse tempo?
PEDRO – Recordo pouca coisa. Uma delas é que no quintal da minha casa tinha um pé de imbu muito grande. Eu comia muito imbu. Não lembro de mais muita coisa. Sequer lembro de algum amigo daquela época.
ZONA SUL – De Passa e Fica você mudou-se para onde? Qual foi o motivo?
PEDRO – Para Natal. A mudança foi devido ao famoso êxodo rural. Quando o meu avô morreu, meus pais resolveram fixar residência em Natal. Minha família é de agricultores. Meu avô se chamava Antônio Pereira da Silva. O nome do meu pai era José Pereira da Silva, e o da minha mãe, Damiana Francisca da Conceição. Viemos para Natal morar no bairro de Tirol, na Praça Augusto Leite. Na época, anos 1970, meu pai arrumou um emprego de pedreiro e, a minha mãe, de lavadeira. Eu fui estudar na Escola Estadual Manoel Dantas.
ZONA SUL – Quais suas primeiras lembranças de Natal?
PEDRO – Cheguei aqui criança. Lembro que me impressionou bastante ver o grande número de carros, nas ruas. Eu também nunca tinha visto aqueles prédios altos. Sofri o impacto natural de quem sai do interior, do mato, e chega na cidade. A diferença é radical, apesar de nem sempre a gente perceber de imediato. A mudança vai se dando devagarzinho, vai se lapidando na mente. Em resumo: o progresso foi o grande impacto que senti. Também me surpreendi com a quantidade de pessoas nas ruas e a diferente forma de comportamento, dos cortes dos cabelos e do vestuário.
ZONA SUL – Nessa época você já sentia alguma curiosidade com relação à arte?
PEDRO – Desde o meu primeiro ano no colégio eu já me destacava por gostar de declamar poemas e pintar quadros com os amigos... Arte já era comigo, desde aquela época. Apear de eu não ter, naquela época, nenhum conhecimento de nada, já se percebia meu interesse pela poesia e pela pintura.
ZONA SUL – Algum antepassado seu enveredou pelo caminho da arte?
PEDRO – Que eu saiba, não. Nem repente, nem viola, nem nada. Pode ter havido algum, mas eu não fiquei sabendo. Minha mãe nasceu em Araruna, na Paraíba. Meu pai é natural de Passa e Fica. O meu interesse pela arte se deu em virtude da escola e pela influência que recebi de um artista: Dorian Gray Caldas.
ZONA SUL – Como você o conheceu? Qual idade tinha?
PEDRO – Quando tinha onze anos, fui adotado por uma família que morava vizinho a Dorian Gray. Minha mãe lavava roupas na casa dessa família com quem fui morar. Eles pediram que eu fosse morar com eles e a minha mãe me doou. Morei 15 anos nesse novo lar.
ZONA SUL – O que você achou disso? Ficou triste?
PEDRO – Que nada, eu curti muito: passei a ter tudo o que eu não tinha em casa.
ZONA SUL – Pelo visto você continuou tendo a sua família original e ganhou mais uma.
PEDRO – Exatamente. Passei a ter duas famílias. Eu sempre voltava em casa para ver a minha mãe. Vera Montenegro Pires e Afrânio Pires foram as pessoas que me adotaram. Ele era comerciante, tinha uma distribuidora de livros lá na Ribeira. Também vendia caneta, papel...
ZONA SUL – Após ser adotado você continuou estudando na mesma escola?
PEDRO – Estudei até a quarta série na escola Manoel Dantas, depois fui para a Escola Estadual Alberto Torres, perto da Praça das Flores.
ZONA SUL – O que mudou na sua vida, após a troca de família?
PEDRO – Mudou para melhor: passei a ter maior facilidade e condições para sair de casa e visitar outros lugares que eu não conhecia. Deixei de me limitar a um só reduto. Passei a frequentar lugares como uma granja, em Extremoz, e a praia de Muriú, no veraneio.
ZONA SUL – Talvez, para sua futura carreira, o decisivo mesmo nessa época tenha sido você conhecer o vizinho, Dorian Gray. Como foi esse encontro?
PEDRO – Perfeito! Sou da idade da filha de Dorian, a Dione Caldas. Minha mãe de criação, Vera, era amiga da mulher de Dorian, Vanda. Eu ia lá dar recado de Vera para Vanda. Quando eu entrava, via as tapeçarias de Dorian e também observava ele trabalhar. Um dia ele me percebeu e disse que eu podia entrar, podia olhar ele trabalhando. A partir daí passei a ter acesso livre à casa dele. Eu nem sabia ainda que Dorian era o artista famoso que é até hoje. Mesmo assim, eu achava aquele trabalho muito bonito e inspirador. O ambiente era bastante agradável. Dorian é uma pessoa muito educada, doce, amável e gentil. Ele sempre me tratou muito bem.
ZONA SUL – Dorian chegou a lhe ensinar as primeiras lições das artes plásticas?
PEDRO – Não formalmente, mas, em compensação, ele abriu as portas para eu observá-lo trabalhar. Depois de algum tempo comecei a trabalhar na Construtora Serra Negra. Certamente influenciado pelos trabalhos que vi na casa de Dorian Gray, passei a investir parte do meu salário em arte.
ZONA SUL – O que você fazia nessa construtora?
PEDRO – Eu era apontador. Sabe o que é isso?
ZONA SUL – Você anotava, enquanto os outros trabalhavam...
PEDRO – (risos) É isso mesmo! Eu media a produção dos operários, passava essa informação para as planilhas e enviava relatórios para o escritório. Minha carteira era assinada. Eu investia o salário em mim: comprava livros, discos e objetos de arte, para o meu deleite. Também ajudava em casa.
ZONA SUL – O que você gostava de ler, nessa época?
PEDRO – Não apenas livros relacionados às artes plásticas, mas também biografias de poetas e escritores como Castro Alves, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. Com relação a música, eu costumava ouvir os discos de Tim Maia, Beatles, Fagner, Ednardo e toda aquela turma do final dos anos 1970, início dos anos 1980.
ZONA SUL – Você também gostava de ouvir rádio?
PEDRO – Sim. Por incrível que pareça, eu gostava de escutar “A Voz do Brasil”. Falando sério! Lá tinha muita informação. Era curioso ouvir. No rádio eu ouvia muito, aos domingos, um programa só de MPB que tocava artistas como Luiz Airão, João Nogueira, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Caetano... Escutava também algumas coisas em ondas curtas.
ZONA SUL – Voltando ao trabalho como apontador: você aproveitou esse emprego para se qualificar intelectualmente e culturalmente, não é mesmo?
PEDRO – Perfeito. Na verdade, nunca tive – nem na época de criança – brinquedos ou bicicletas. Sempre me interessei mais por outros horizontes.
ZONA SUL – Você não brincava com as outras crianças? Não jogava futebol, por exemplo?
PEDRO – Jogava sim, fui goleiro. Só levava pancada. Eu era perna de pau demais.
ZONA SUL – Era tão ruim que escalaram você para o gol...
PEDRO – (risos) É isso aí mesmo!
ZONA SUL – Nessa época em que você passou a gastar seu salário com arte, teve contato também com os artistas locais?
PEDRO – De 1980 em diante, passei a ter contato com vários poetas. Em 1981, lancei um livrinho: “Lutar pela paz”. Era um livro de poesias bem livres, sem preocupação... Não tinha preocupação teórica com nada. O objetivo foi mais de me manter vivo na história, com o pessoal. Foi editado em mimeógrafo. Fiz parte daquela geração com Dorian Lima, Carlos Gurgel, Aloísio Matias, Sofia Gosson, Venâncio Pinheiro e muitos outros que publicavam poemas em cópias mimeografadas ou xerografadas. Era só a nata.
ZONA SUL – Como Natal recebeu o trabalho dessa “geração mimeógrafo”?
PEDRO – Éramos os únicos a fazer arte independente. Nosso trabalho era anarquista. Somente nós fazíamos aquela arte não tradicional. Éramos os loucos.
ZONA SUL – E na música?
PEDRO – O grande guru da música, na época, era Raul Andrade, da Alcateia Maldita. Era o papa, o guru de todos. Ele puxava o bonde. Me inspirei bastante, e até hoje me inspiro nele. Raul não tinha papas na língua, nem era cópia de ninguém: era único, singular, autêntico e muito criativo. Os outros não apresentavam aquela força performática que ele tinha. Paralelo a Raul, tinha também o Gato Lúdico, de Vicente Vitoriano. Nessa mesma época foi que surgiu o Cabeças Errantes.
ZONA SUL – Como apareceu a ideia de criar o Cabeças Errantes?
PEDRO – De uma só vez surgiram várias bandas: Fluidos, Modus Vivendi, Cabeças Errantes...
ZONA SUL – Cabeças Errantes foi a primeira banda da qual você participou?
PEDRO – Foi. Eu fazia as performances e tocava um parangolé lá, uma percussão. Mas eu dizia que o Cabeças Errantes surgiu a partir de uma proposta de Vlamir Cruz, meu grande amigo. Ele tinha retornado para Natal, depois de passar um tempo trabalhando na Petrobras, no Rio. Vlamir juntou os amigos – eu, Ricardo Menezes e Piragibe – e formou a banda.
ZONA SUL – Qual era a proposta inicial da banda?
PEDRO – Fazer música sem se preocupar se iria fazer sucesso ou não. Queríamos mostrar a cara através da participação em shows, festivais e eventos. Não era para gravar disco.
ZONA SUL – Desde o início vocês já definiram que, além do som, a banda teria um lado performático?
PEDRO – Esse lado das performances surgiu comigo, no Festival do Forte, em 1984. Para não ficar aquela coisa de só blem-blem-blem-blem, eu desci do palco e fiz uma performance poética. Montamos uma performance com várias poesias minhas, para eu falar durante uma música instrumental. Eles tocavam e eu interagia com o público.
ZONA SUL – Qual a reação da plateia?
PEDRO – Delírio total! Enquanto eu andava de um lado para o outro, no palco, ou então circulava pela plateia, ia falando aqueles poemas que tinha escolhido para o festival.
ZONA SUL – Quem também gosta muito de misturar texto com música, nos shows, é Jorge Mautner.
PEDRO – É. Mautner é outro guru. Foi nesse Festival do Forte que a performance foi incorporada à banda Cabeças Errantes.
ZONA SUL – O repertório de vocês era autoral?
PEDRO – Total. No começo, quase todas as músicas eram de André Júnior. Depois, Vlamir passou a compor com ele também. Após o sucesso que foi a apresentação no Festival do Forte, agendamos um show para o Teatro Jesiel Figueiredo. Foi outro sucesso fantástico. Lá lançamos um livro chamado “Artimanha”. Grande parte dos poemas eram as letras das músicas que a banda tocava. A intenção era que a plateia cantasse junto. A aceitação foi maravilhosa. Muitos artistas foram assistir, como Manoca, Carito e Erick. No palco, fiz algumas poesias performáticas. Depois desse show vieram muitos outros. Alguns antológicos.
ZONA SUL – Quais as principais apresentações dos Cabeças Errantes? Lembro de uma no I Festival de Música da ETFRN.
PEDRO – Ali foi fantástico, genial. Durante uma música, eu pintei um quadro. Pintei e depois destruí a pintura. O nome da poesia era “Amor Selvagem”. Eu não destruí o quadro brutalmente, mas pintei por cima do que eu tinha criado. Em outro show, cheguei montado em uma bicicleta. Foi no Festival da Poesia realizado em Candelária. Tiramos o primeiro lugar com meu poema “Pós-Lennon”. O texto é grande, mas o início é assim: “Pós ler / Pós lendo / Pós pós / Pós-Lennon”.
ZONA SUL – Vocês usavam algum tipo de aditivo químico - drogas ou bebida - para encarar a plateia e protagonizar essas performances?
PEDRO – Usava melhoral infantil. (risos). Era só água mesmo. Nem Vlamir, nem eu e nem Ricardo usávamos drogas. A gente já era doido de nascença mesmo. Nem maconha a gente tinha experimentado. Nessa época, por volta de 1986, era só o amor pela arte. Lembro de um show em um festival realizado na Cidade da Criança. O maior sucesso foi a apresentação do Cabeças Errantes. Conseguimos, com a Marinha, quatro sinalizadores de navio. Acendemos no palco. No vídeo “Amor Selvagem”, postado no Youtube, tem algumas cenas desse show e de outras performances.
ZONA SUL – Como surgiu o artista plástico Pedro Pereira?
PEDRO – Em 1988 fui demitido da Construtora Serra Negra, devido a uma redução de pessoal. Peguei o dinheiro da rescisão, tudo o que tinha direito, e viajei para Brasília. Passei primeiro por Salvador. Peguei um ônibus para Salvador. Passei 15 dias por lá e depois fui para Brasília. Amei Brasília. Gastei quase tudo.
ZONA SUL – Também gostou de Salvador?
PEDRO – Achei muito parecida com Natal. A diferença foram as mulatas. Minha intenção era conhecer museus, artistas, gente, ir a shows, andar por novos lugares. Enfim, eu queria sair da toca, de Natal, e crescer culturalmente. Em Salvador, por exemplo, fiquei amigo do músico Jorge Papapá. Conheci também Raimundo Sodré. Ele vivia biritando lá na Barra.
ZONA SUL – Você ainda tem contato com esse pessoal?
PEDRO – Com Jorge, falo vez por, via Internet. Em Brasília conheci todos aqueles monumentos históricos e estive em bares como o Beirute. Também fui nas boates do Gilberto Salomão. Lembro da Água Mineral e do Shopping Venâncio 2000. Em Brasília comprei muitos discos, livros e um violão.
ZONA SUL – No retorno a Natal você produziu – ou na área da literatura ou das artes plásticas - alguma coisa com relação a essa viagem?
PEDRO – Quando voltei para Natal vendi os discos, vendi o violão e só guardei os livros. O violão vendi a Abimael Silva, do Sebo Vermelho. Ele comprou para revender.
ZONA SUL – Enveredamos pelo assunto da viagem, mas você ia falar sobre o seu começo nas artes plásticas.
PEDRO – Juntei o dinheiro que sobrou da viagem com o da venda do violão e dos discos e comprei tinta, camisetas, pincéis e papéis. 
ZONA SUL – Como surgiu a ideia de transformar camisetas em tela?
PEDRO – Foi porque eu não conseguia vender as minhas telas, era pior que Van Gogh. Nem o meu irmão comprava. Até porque ele era liso. (risos). Descobri por conta própria que a camiseta poderia se transformar em um veículo para produzir arte original - sem perder meu brilho e minha característica - e vender mais rápido. Fui lá para a Rua João Pessoa, na época em que existia a Casa Lux. Na porta da loja, botei um cordão e estendi as camisetas. Com o dono da Casa Lux eu não tinha problema, quem implicava eram os guardas do município. Às vezes sim, às vezes não. Foi uma grande novidade para Natal. As pessoas gostaram muito, recebi elogios e vendi bastante. Foi um “boom”. A camiseta é um veículo ótimo para criar novas ideias. Minha intenção, a princípio, era usar a camiseta para me aperfeiçoar nas artes plásticas. Ao invés de treinar com papel, eu treinei com camiseta. Fiquei lá, naquele ponto, até 1990, quando mudei de rota. Em 1991 resolvi sair da rua. Fui para a galeria. Fiz uma exposição grandiosa com cem camisetas. Expus em um só dia, na AABB. Os jornais – Diário de Natal e Tribuna do Norte – noticiaram. As emissoras de TV também foram lá. No outro dia saiu o noticiário completo. Vendi todas em um dia só. Daí em diante não mais fui à rua. Levei minha exposição de arte camiseta também para Mossoró. Depois fui para Recife e Fortaleza.
ZONA SUL – Fora do Rio Grande do Norte as pessoas também receberam bem o seu trabalho?
PEDRO – Foi tudo maravilhoso. O Diário do Nordeste, em Fortaleza, me entrevistou. Lá a exposição foi em um teatro. Vendi um pouco menos, mas mesmo assim foi legal. Em Recife foi melhor ainda.
ZONA SUL – Qual a temática que você usava, na época, nesse seu trabalho de arte-camiseta?
PEDRO – Não tinha temática. Gosto de pintar jardins, temas abstratos... Sou muito eclético.
ZONA SUL – Depois do emprego de apontador você passou a se dedicar integralmente à arte ou teve outra profissão?
PEDRO – Passei a me dedicar à arte de corpo e alma, total. Desde lá sobrevivo apenas da arte. Tudo veio de supetão: resolvi não ser mais empregado de ninguém. Decidi que trabalharia para mim. Como eu tinha aptidão para a arte, foi por esse caminho que optei. Foi assim que me descobri artista: eu posso, eu quero e eu sou.
ZONA SUL – As apresentações da banda Cabeças Errantes rendiam alguma grana para vocês?
PEDRO – Eu pagava por aquilo, eu gastava dinheiro no material das performances. Nenhum de nós lucrou com a música. Era totalmente por prazer. Recebíamos cachês simbólicos.
ZONA SUL – Não dava nem para pagar a cerveja e o melhoral infantil...
PEDRO – (risos). No máximo dava para isso, no máximo! Da mesma forma, a poesia só rendeu inteligência à minha mente e serviu como um poderoso anti-stress. A poesia também funcionou para o meu deleite. Desenvolvi essas atividades devido ao meu amor pela arte.
ZONA SUL – Por que os Cabeças Errantes acabaram?
PEDRO – Não é nem que acabou. O tempo lapida as pessoas. As coisas mudam. Um casou, outro foi trabalhar com outras coisas... Um foi ter filhos, outro mudou de cidade... Isso fez com que nos distanciássemos. Esse é o rumo natural da vida.
ZONA SUL – Você sente falta daquela época?
PEDRO – Foi uma época muito boa, mas não sinto falta. Outras ocupações e interesses já preencheram essa lacuna.
ZONA SUL – A arte-camiseta cumpriu seu objetivo de servir de laboratório para você passar a trabalhar com telas?
PEDRO – A arte-camiseta ainda é o meu laboratório, até hoje. Sempre foi. Com o passar do tempo, descobri que a arte em tela ou em camiseta tem o mesmo valor. Hoje pinto em camiseta e em tela. Minha sobrevivência vem dessas duas vertentes das artes plásticas. Talvez a minha missão seja desmistificar a arte convencional.
ZONA SUL – Alguém já lhe copia na arte-camiseta?
PEDRO – Hoje tem algumas pessoas trabalhando com arte-camiseta. Quando comecei a pintar dessa forma, não tinha conhecimento de nenhuma experiência parecida. Depois de algum tempo, já trabalhando com arte-camiseta, descobri que Pink Wainer (artista plástica filha do jornalista Samuel Wainer e da ex-modelo e escritora Danuza Leão), pintava em tecidos. Ela tornou-se, então, uma fonte de onde eu pude beber.
ZONA SUL – Incomoda falar sobre o acidente vascular cerebral que você sofreu?
PEDRO – Podemos falar sobre isso, sim, numa boa. Já é passado. Aconteceu quando eu estava no velório da minha mãe. De repente, bateu uma tonturazinha. Eu amoleci, caí e já entrei em coma. Foi em 2002. Só recordo até o momento em que senti a tontura e caí. Daí em diante, não lembro de mais nada. Passei três meses em coma.
ZONA SUL – Você lembra do momento em que acordou?
PEDRO – Saí do coma aos pouquinhos. Recordo de Geraldo Carvalho indo lá tocar para mim.
ALDA – Geraldo pediu para ir cantar uma música para Pedro, quando ele ainda estava no coma. Até então, às vezes eu falava e Pedro abria o olho, mas não conseguia se expressar. No dia em que Geraldinho foi, Pedro começou a chorar. A gente via que ele estava emocionado, que estava consciente. Ele escutou. Pedro até lembra da música que Geraldinho cantou.
PEDRO - Foi Pétala, de Djavan.
ALDA - Geraldinho também tocou duas músicas dele mesmo. Na UTI do Walfredo, só podia entrar uma pessoa de cada vez. Geraldinho entrou com o violão e eu fiquei esperando lá fora. De repente, a médica veio me chamar. Nessa hora, quase morri. Pensei que tinha acontecido alguma coisa. Mas ela apenas pediu para eu entrar, dizendo que Pedro estava bastante emocionado. Na UTI, segurei a mão dele, enquanto Geraldinho cantava. Desde o começo, quando Pedro tinha entrado no coma, eu conversava muito com ele. Sempre falava o que estava acontecendo na cidade e contava como as pessoas estavam solidárias. Tudo que acontecia, eu falava.
ZONA SUL – Então ele nunca deixou de estar atualizado...
ALDA - Ele estava sempre atualizado, apesar de fora do ar. Na hora, eu me enchia de força para falar sem chorar. Procurava agir como se ele estivesse bem. Porém, quando eu saía da UTI, desmontava. Felizmente Pedro não ficou com aparência de uma pessoa que passou três meses na UTI. As pessoas que o visitavam sempre diziam que ele estava muito bem. Realmente, apesar desse tempo todo, ele não ficou com aparência ruim. Ficou magrinho e tudo, mas só isso. As pessoas comentavam que ele estava corado e eu achava que estavam querendo me enganar, porque todo dia que eu chegava, o quadro era o mesmo: Pedro não tinha reagido a nada.
ZONA SUL – Qual foi a primeira reação, a primeira mostra de que ele estava recobrando a consciência?
ALDA - Um dia, quando uma bandeja caiu, Pedro esboçou uma reação ao ouvir o barulho. Esqueci de dizer que, no início, ele também ficou sem ver. Não enxergava nada quando começou a abrir o olho. Pedro saiu da UTI ainda em coma. O médico dizia que ele ia ficar vegetativo, por isso teve que sair da UTI, para ceder o lugar para pacientes em pior situação que ele. Graças a Deus, depois disso ele foi reagindo e se recuperou. Pedro lembra de coisas que aconteceram quando ele ainda estava no hospital. Depois que saiu da UTI, consegui uma vaga no Hospital Onofre Lopes, que tinha uma enfermaria melhor do que a do Walfredo Gurgel. Pedro mistura fatos que ocorreram na enfermaria do Onofre Lopes com outros da UTI do Walfredo. Pedro voltou para casa com traqueostomia, sem se comunicar de forma alguma, a não ser com os olhos. Como ele estava muito frágil, a médica achou melhor ele ir para casa, para não correr o risco de pegar uma infecção.
ZONA SUL – A recuperação, após chegar em casa, demorou muito?
ALDA – Foi lenta. Ele chegou, em casa, em março. Passamos abril e, em maio, conseguimos uma vaga no Hospital Sarah Kubitschek. Primeiro ele foi para o Sarah em Fortaleza. Depois foi encaminhado para Brasília, porque estava com um problema no braço direito, o que ele tem movimento. Foi detectado um problema no nervo. Teve que fazer uma cirurgia. Voltamos de Fortaleza para Natal, até para eu conseguir uma licença do meu trabalho, e fomos para Brasília. Depois do Sarah foi que ele passou a reagir mais e começou a se alimentar normalmente. No período em que saiu do hospital, Pedro ficou ainda um mês com a traqueostomia, em casa. Depois que foi voltando a respirar, a médica tirou. Voltar a falar mesmo, foi lá pro final do ano. Ele falava uma linguagem que só ele entendia.
PEDRO – Era russo. (risos)
ALDA -  A voz ficou esquisita e ele não conseguia articular as palavras. Até hoje está um pouco assim. Você está entendendo o que ele está falando?
ZONA SUL – Estamos entendendo, sim.
ALDA – Às vezes ele não respira para falar.
ZONA SUL – Vocês tem filhos?
ALDA – Não. Tivemos uma filha, mas ela não sobreviveu. Chegou a nascer, mas faleceu no dia em que nasceu. Mas isso foi bem antes.
ZONA SUL – Obrigado, Alda. Pedro, você é um expoente da arte potiguar. É uma figura que cabe em qualquer enciclopédia que for escrita sobre o Rio Grande do Norte. Não importa se o tema seja poesia, música, artes plásticas... Certamente você figuraria em qualquer coletânea de arte contemporânea feita no estado. Precisaríamos de muito mais tempo para entrevistar alguém do seu porte. Por isso, muita coisa deixou de lhe ser perguntada. Para suprir, pelo menos parcialmente, essa lacuna, pedimos a sua ajuda: o que de mais significativo faltou ser perguntado?
PEDRO – Acho que o básico foi colocado. Mas, talvez tenha faltado eu falar sobre o meu lado de artista autodidata. Muitos menosprezam o autodidata. Mas isso não tem nada a ver. Busquei meus conhecimentos por conta própria, mas sempre procurei absorver o lado mais amplo da criação pictórica. Procurei conhecer os mestres da arte plástica mundial e me colocar em um contexto. Hoje eu sei onde estou, o que eu faço, como eu faço e por que faço. O cara que mais me deixou claro isso foi Salvador Dali, que nunca foi adepto da academia. A academia, para ele, era uma grande merda. Dali foi meu grande mestre na parte teórica, na parte prática, Claude Monet foi meu grande guru.
ZONA SUL – Como você classificaria as artes plásticas do Rio Grande do Norte? O que vale a pena apreciar?
PEDRO – Nós temos pessoas célebres em vários estilos. Por exemplo: Thomé Filgueira – falecido há poucos anos - foi o maior expoente do expressionismo que tivemos. Dorian Gray é um grande astro da arte contemporânea. Newton Navarro foi um baluarte. Tem muitos - como Assis Marinho e outros - que se enquadram no mundo da arte plástica universal. Na verdade, não existe diferença se a pessoa é potiguar ou de outro planeta. O que vale é a arte conceitual, é o valor artístico cultural. Não é apenas melecar uma tela: o trabalho tem que ter contexto e conteúdo.
ZONA SUL – O que você recomendaria a um jovem que desenha bem e aparentemente tem talento para as artes plásticas?
PEDRO – Eu diria que não se limite ao desenho. O desenho limita a pessoa. Desenhar é importante, mas não se limite a ele. Desenho é só uma parcela da arte, um fragmento. O desenho cria uma redoma e você se fecha. Procure horizontes abertos, criação aberta. Vá também para o abstrato, experimente outras escolas da pintura. Só assim você vai achar a sua.
ZONA SUL – Como o leitor pode ter acesso ao seu trabalho? Como adquirir uma obra em tela ou em camiseta de Pedro Pereira?
PEDRO – Atualmente tenho utilizado o Facebook como minha galeria. Na minha página estão disponíveis fotografias de quadros e também de camisetas que estão à venda. Basta me procurar através do Facebook ou enviar um e-mail para que possamos manter contato: pedropereiranatal@gmail.com Quem quiser ter uma noção da minha arte, também pode me visitar através do Facebook.
ZONA SUL – Despeça-se do leitor do jornal.
PEDRO – A todos os amantes e amados pela arte sintam-se convidados a ter, em vida, a arte em suas casas. Deem vida a arte. Ter arte em vida é viver com a arte dentro de casa.
ZONA SUL – Salve, Pedro Pereira!!!



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